Espanha – depois de passarem por Portugal e às vésperas de irem para a França –, a Tia Gorda queria ir à tourada “Visitar a Espanha e não ir a uma tourada é o mesmo que não visitar a Espanha, ora”. O Pai, no carro alugado, levou a família à tourada, mas aguardou dormindo no carro porque “Não quero ver diabo de boi nenhum”.
- Não está ansiosa Filha, meu anjo? – disse, esfregando as mãos, a Tia Gorda à Filha que não fez esforço algum em demonstrar satisfação. – Vamos à tourada, OLÉ! – arriscou ainda uma corajosa Tia Gorda recebendo olhares reprovadores da Filha. “Me mata de vergonha” – pensou a menina.
Foram à bilheteria, ingressos comprados “Quanto custou, mãe? Quanto custou, hã?” “Não interessa, moleque, mania de controlar o preço das coisas... Entre e aproveite, OLÉ!” – disse em tom educador a Mãe.
Estavam acomodados na arquibancada, não obrigatoriamente nesta ordem, mas é com eu imagino: a Mãe e a Tia Gorda, conversando, ao lado – com ar pensativo – a Prima-Que-Morava-Por-Lá e em seguida Filho e Filha.
Ao lado deles espanhóis ansiosos acompanhados de suas crianças, o programa era familiar.
- Mãe, Tia Gorda – começou a Prima-Que-Morava-Por-Lá depois de muito pensar – eu to achando que isso não é simplesmente uma tourada...
- Como não, minha flor? Perguntou a Tia Gorda
- ... Eu to achando que nesta tourada matam o touro!!!
- Ora, não seja tola, diga a essa tola para não ser tola, Mãe, diga! Tia Gorda se dirigindo à Mãe. No que se defende a Prima-Que-Morava-Por-Lá:
- Como tola? Eu estava vendo lá embaixo aquelas lanças todas cheias de laçarotes e fitilhos, elas servem para ENFIAR no boi.
- NÃO SÃO SÓ ENFEITES??? - assustada, a Mãe.
- Creio que não!
- Vá lá perguntar àquele moço ali,vá! Ela foi:
- Senhor, por favor...é... bom... então, poderia me informar se nesta tourada que vamos assistir, bem, poderia me informar se o boi morre?
- Se o toureiro não morrer antes, hehe!
- Ah, sim, claro... se ele não morrer, he he!!! Para as tias (Mãe e Tia Gorda): “Eu paguei um grandessíssimo de um mico, sabe o que o infeliz me disse? Sabe o que ele me disse? ‘Se o toureiro não morrer antes...’” “Valha-me Nossa Senhora” – disseram as duas em uníssono enquanto o Filho e a Filha esquecidos ao canto discutiam sem nem fazer idéia do que os aguardava.
Entra o Toureiro, altivo, capa no ombro, cumprimenta a platéia (e esta nem tchum) mais uns segundos anunciam a entrada do Touro, ele entra sem cumprimentar ninguém, mal educado, negro, a platéia vibra receptiva. Torciam para o touro, perceberam as únicas três com cara de pavor na platéia.
O Toureiro se aproxima raspando o pé no chão, qual o Touro não outra extremidade, rodopia, dança, o Touro corre, baixa a cabeça, Toureiro prepara a pose, capa frente ao corpo, o Touro passa, Toureiro rodopia bailarino e cai sem arranhões no chão. Puxa uma lança, provoca o Touro, o Touro vem, corre o Touro, Toureiro prepara a capa, posiciona a lança atrás da capa, Touro passa, tira-se a capa, espeta-se a lança, sangue, platéia vibra. Agora já são 5 assustados na arquibancada. “SAIU SANGUE DO BOI, MÃE” disse a Filha (começando a chorar), enquanto o Filho, viril, agüentava firme apenas de olhos arregalados já na terceira lança que entrava no bovino. Sangue pelo chão, o boi já meio cambaleante, mas forte, corria firme, o toureiro prepara a lança final (na cabeça do boi), a Filha chora, a Mãe entende o objetivo “Vamos embora” pega a Filha no colo e pega na mão do Filho, avistando já lá na frente a silhueta da Tia Gorda, correndo, e da Prima-Que-Morava-Por-Lá acompanhando o ritmo da primeira, “Vamos, Filho! Vamos rápido” “Eu vou ficar” “Vai ficar que nada, nós temos que ir, AGORA” “Você PAGOU por isso, vou ver!” “Olha o seu estado, ta tremendo, olha sua irmã chorando” puxou-o pela mão e arrastado ele começou também a chorar enquanto dirigiam-se ao carro.
Entraram no carro, o pai acordou com os choros: “E então, como foi? OLÉEE” perguntou, educado.
“Eu tinha dito que matavam o boi, eu tinha dito que matavam o boi”
“Mas eu não sabia, eu era obrigada a saber?”
“Você pagou por isso, a Mãe pagou por isso, tínhamos que ver”
“Fica quietinho e toca pro Hotel, Pai, vamos...” – terminou a mãe, ao seu lado no banco passageiro, disposta a não comer carne bovina por um bom tempo...