Mentiras, Ladainhas & Afins

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Local: São Paulo, SP

JURO CÁ ENCONTRARÁ somente meias-verdades, histórias da carochinha e mentiras inteiras, com “M” maiúsculo.E deixo claro desde já que caso, por ventura, quaisquer dos fatos de fundamento duvidoso cá relatados – ou seja, TODOS, asseguro – se assemelharem com a verdade, ou a descrição de algum dos personagens lhe pareça familiar a esse político, aquele papa ou à senhora sua mãe: Isso é fruto da sua criativa imaginação, a carapuça serve a quem quiser. Por mais verdadeiro que o relato for, em algum ponto, pessoa ou nome tem o meu bedelho ou para no futuro não ser incomodado pela justiça ou pura e simplesmente para deixar a história/estória (a escolha vai da inocência de cada um) mais interessante. Assim sendo, é favor não me processar caso incomodados, não tenho grana para pagar indenização muito menos direitos por uso de imagem, e será a sua palavra contra a minha, e a minha, como já disse mas repito: É que é tudo ladainha! Tácio.Oliveira - O.Mentiroso

1.1.11

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CRISTINA ACORDOU AOS pulos – bem como todo morador de uma grande cidade –, tomou seu café e regou suas begônias, suas orquídeas, seus pacovás que aos montes ocupavam sua varanda, trazendo lembranças das maravilhas botânicas de Maragogipinho e tingindo de verde-dubiroudo o cinza verticalizado lá fora.

Diferente de qualquer outro cosmopolita, Cris não acordava ao som de música ou do tradicional “TRIIIM” dos despertadores com orelhas de Mickey. O rádio-relógio era sintonizado na rádio de notícias:

-Bom dia! Sete-e-trinta-e-dois-da-manhã, vinte-e-nove-graus, OITENTA-E-DOIS QUILÔMETROS DE CONGESTIONAMENTO! Não peguem a 23 de Maio, não peguem a 23! NÃO PEGUEM.

Não pegarei! Não pegarei! Ria divertida nossa personagem ao dar o primeiro passo matinal. Ria pelo fato de não precisar pegar seu auto logo pela manhã (desde que perdeu um Fuscão 63, sua relação com o trânsito não é mais a mesma).

Mas aquela manhã era diferente, a cidade ainda dormia a ressaca da noite anterior. Era Natal.

Contabilizou a generozidade natalina dos seus amigos, percebeu que dentre a imagem de “Nossa Senhora Desatadora dos Nós” vinda diretamente de Maragogipinho, a camiseta “I Love Dubi”, o livro POP-UP de “Alice no País das Maravilhas”, 2 blue-ray que não funcionavam, 4 chapéus engraçados, 1 caixinha de papel entregue pelo rapaz do Censo (muito seu amigo), enfim, dentre tantos presentes adoráveis havia também 1 sapato nude de verniz e forro cor-de-rosa e outros 6 pares de belos tênis, mas nenhum impermeável.

-RAIOS! – bravejou a Cris – Por que tão bonito se não aguenta chuva?

Chuva sempre foi um problema para Cris. Não porque ela morasse na Zona Franca de Manaus – como já mencionei, nossa heroína mora em uma metrópole –, mas, por algum motivo não justificado por terapeuta nenhum, Cris anda sempre com um medidor de umidade do ar que um ourives amigo seu transformou em um broche. O menor anúncio de garoa já faz a nossa sempre querida estremecer e correr pra casa calçar galochas. Chuva nos calçados é praticamente a única fobia da sempre alegre Cris, a outra fobia é de lagartos daqueles rabudos de papo amarelo igual aos que encontrava aos montes em Maragogipinho. “Um local com tantas maravilhas precisava de um defeito, né? Mas na selva de pedra não há exemplar que sobreviva. Ufa!”

Cris iria trocar os presentes mas, antes, ajeitou a Santa de Maragogipinho na estante e preparou um chá cafeinado enquanto admirava a Santa em sua estante. Gloriosa! GLORIOSA!

Deixou o sapato nude de verniz de gosto duvidoso para trocar em melhor hora e correu trocar os pares de tênis.

Cris se ausentou esquecida de um detalhe: São ocos todos os Santos artesanais de maragogipinho.

Ao voltar do câmbio com 2 galochas novas, 1 capa impermeável, 1 chapéu que vira bote salva-vidas e 2 pares de tênis impermeabilíssimos, notou que a Santa estava caída e que havia migalhas de panetone por todos os cantos.

Pegadas de geléia anunciavam que a dona da casa não estava sozinha. Seriam de pombo? de camundongo? guaxinim? ratão do banhado? - Não!?! NÃÃÃÃÃÃO! Mil vezes não. As pegadas eram do maldido do lagartão do papo amarelo de Maragogipinho.

Vestiu seus coturnos brancos de guerra e começou a andar atônita pelos arredores no intuito de descobrir por onde raios entrou tal criatura: A santa caída, debaixo um buraco revelando o oco da estátua. “Na danada da estátua viajou o réptil”

Estressadíssima preparou correndo outra xícara do seu chá cafeinado e foi sentar-se no sofá a espera do lagartão aparecer. Outro grito. Outro mais alto.

Sobre o sofá, debruçado sobre seu livro POP-UP de “Alice no País das Maravilhas”, mais especificamente, sentado à mesa junto ao chapeleiro, lá estava o lagarto:

- Oxenti! Qui afobação danada é essa, mulé? Si assunte!

O lagarto falava, era letrado e adorava Lewis Carroll.

- Seu lagarto, saiba que o senhor é sim muito bem-vindo, mas por conta das felicitações natalinas estou exausto para visitas, faça o favor de voltar em hora mais benfazeja? – mentiu a dona da casa, com a voz tremendo cada vez que olhava o rabo.

Não teve conversa, o lagarto disse que não se demoraria, mas havia feito longa e exaustiva viagem, “Imaginas,bichinha, como é apertado dentro dessa Santa?”, e que ficaria no mais tardar um mês e meio, só para se restabelecer.

AAAAAH. Foi o quarto grito só ao imaginar que aquele folgado talvez cogitasse dormir na parede do seu quarto . “E se caísse em cima de mim durante o sono? Deve ser gelado esse infeliz. Cruz credo! Que Natal!”

Pegou a sacola do sapato de verniz que faltava ser trocado e fugiu para o shopping. Decerto acharia uma solução quando estivesse com a cabeça fresca. “Mas esse lagarto sai de lá hoje mesmo.”

Na loja, a solução foi imediata: Ao lado de um conjunto bolsa+sapato lia-se “LUXO LEGÍTIMO – Couro de Cobra”

- Quero o conjunto. Vamos, mocinho. Sim, sim, sou eu que passo aqui na vitrine todo dia! Me dê logo isso, troque por esse aqui. Acertarei a diferença, mas quero também a placa.

O sapato e a bolsa eram realmente de cobra, todo craquelado tal qual o couro de cobra costuma ser (coisa de perua, o que a nossa personagem não é nem de perto). Com a ajuda de um amigo vizinho , Cris fez uma pequena alteração na placa e correu pra casa já calçando os sapatos e chacoalhando a bolsa.

- IU HUUUU! Amiguinho gelado, veja só que boas compras eu fiz, estavam uma pechincha, você precisa ver.

O lagarto despediu-se do Chapeleiro, comeu mais um biscoito e com um chicoteio de rabo fechou com força a porta de saída sem se despedir.

Cris caiu na gargalhada, odiou os sapatos mas os exporia como troféu na parede. A bolsa embrulharia e deixaria frente à porta do quarto andar onde mora uma condessa muito sua amiga. Quanto à placa, irá pendurá-la emoldurada e iluminada ao lado do sapato:

- LUXO LEGÍTIMO – Couro de Lagarto de Maragogipinho!


Tácio.Oliveira - O.Mentiroso

*texto escrito em um Moleskine dado de presente pela personagem dessa história