HÁ TRES MESES já residindo o bairro do Leme e não conhecia a minha vizinha da direita. “Trabalha feito camela a coitada e ainda arranja tempo à noite pra ensaiar junto à escola de samba, pode?” informou-me o meu vizinho da esquerda.
Podia. A moça saía cedo pra trabalhar em uma lavanderia no Leblon e à noite era passista na Mangueira.
Pensava eu, que nunca a tinha visto, ser ela desses tipos dispostos, cheios de energia, que estão sempre rindo e topam qualquer compromisso; Qual nada, inteirando o quarto mês instalado no Rio, sou paulistano, resolvo por sair de casa às quatro da matina pra espairecer e ver se o nascer do sol me inspiraria a escrever algo – aliás, sou escritor – e não foi que encontrei a tal vizinha? Apressadíssima, afogada entre sacolas e bolsas, mulata, olheiras, tentava trancar a porta de casa, sem tempo nem para o bom dia.
Tinha cabimento coisa daquela? Eu que não sou nenhum senhor e tenho, digamos, dado ao ofício, bastante tempo “livre”, não me aventuro a sair feito desocupado sambando pra gringo ver, e ela, que diz a boca pequena, que com o que ganha mal paga o de comer, não parando em casa nem em dia santo – me disse também o mesmo vizinho “É manicura nas horas vagas” – perdia seu tempo em tamanha molecagem, quem sou eu pra dizer qualquer coisa, mas tenha a santa paciência, se ela dormisse mais, aposto que seria mais produtiva na lavanderia e não seria ameaçada de demissão, como me disse o igualmente bem informado jornaleiro.
Fevereiro já se avançava e era cada vez mais habitual pelas ruas do Rio ouvir sotaques e dialetos dos mais variados cantos do mundo. Era carnaval. Não pra mim, que não sambo nem com o dedinho. Mas pelo sim, pelo não, iria assistir ao desfile das escolas pra ver o fiasco que seria aquela coitada na Avenida.
Foi rápido, mas a vi: roupa minúscula, plumas, corpo escultural, purpurina, a câmera deu um “close” na minha vizinha que se antes parecia morta de tão cansada e com problemas, como rezava a vizinhança, agora era pura vida sobre um salto quinze, castigando no samba o chão da Sapucaí.
- Alô, pai? Assistiu à Mangueira? Sou vizinho da passista, acredita?
- Jura, filhão, e como ela é?
- A mulata tem uma disposição de leão, pai, de leão. Acorda cedo todo dia, batalhadora que só vendo e ainda encontra um tempinho pra sambar. Andava meio indisposta um mês atrás, mas agora, toda vez que anda traz no sorriso a praia de Copacabana e no requebrado o Carnaval.
- E que peitão, hem, filho!
- Um povinho aí diz que é silicone, mas eu não acredito: não gosto de fofoca.