FUSCA, PATO, PEDRA E BACK-TIE
Dubiroudo era o fusca da Cristina Ferreira. Com ele muita história pra contar. Sempre que pode a Cris enche o peito e – com sorriso aberto – diz poucas, boas e absurdas do seu Dubi. E quando ela conta da viagem dela e do Dubi para Maragogipinho (BA)? É de encher os ouvidos.
Pois então, Cris e o tal do Dubiroudo, depois de pintarem os canecos juntos em uma viagem de ida e volta à Bahia, acabaram se separando. Motivo? O tal do Dubi se encheu da Paulicéia e foi cantar pneu entre os pescadores e santeiros de Maragogipinho e freguesias vizinhas. Pois é, partiu! Não houve Twingo ou Crossfox que consolasse a tal da Cris. Ela só queria saber do seu Fusquinha 63 verde oliva.
A amiga Pitu convidou a inconsolável Cris – que desde a perda do seu azeitonão-63 não saía de casa nem para ir ao mercado –, a convidou para uma viagem em terras de França, para espairecer.
- Escuta aqui, Pitu, querida! – arrebatou Cris. Quem come do arroz de Maragogipinho, quem pisou aquele solo não se contenta mais com viagenzinhas qualqueres não. Afinal, pra Paris todo mundo já foi, croassaint todo mundo já comeu. Mas e o arroz integral de Maragogipinho, me diga você, quem?
Semana depois estavam ambas – Cristina e a amiga Pitu – de mochila nas costas viajando a pé (“Só entro em carro se for no meu Dubiroudo”) pelo interior da França. Hospedavam-se em qualquer hotelzinho de beira de estrada, desses que nem constam no Google Maps de tão pequenos. Isso tudo só para satisfazer à sede de exoticidade da Cris.
Lá pela segunda semana de colchão-fino e bolhas no pé o pavio da Pitu encurtou. “Cris, pelo amor de Nossa Senhora Protetora dos Fuscas Independentes, minhas costas estão que são pura dor e hematomas. Meu estômago está nas costas. Isso aqui é a França ou é o quê? Por favor, vamos caçar um pouco de conforto, sim?”
O lugar escolhido era um castelo do século XVI – “Que decerto é assombrado”, opinava a Cris – onde diziam que se come do bom e bebe-se do fino, sem mencionar os colchões feitos com penas de pato que viviam pelas redondezas.
O Castelo era rodeado por plantações de trigo que complicavam o acesso direto, fazia-se necessária toda uma volta ao redor das plantações, duplicando, triplicando – talvez –, um caminho que em linha reta não demoraria mais que 10 min. Antes mesmo de pensarem em começar a contornar o mar dourado a Pitu é quase que atropelada por um rapaz a mil por hora em cima de uma bicicleta.
O rapaz entrou com tudo no meio da plantação. O trigal chegava a afastar, abrindo passagem para o moço.
- Eu falei para ficarmos em Paris, disse a Pitu. Isso de que francês é tudo educado é a maior ladainha que já puderam contar. Não bastasse as bolhas nos meus pés, as noites mal dormidas, os quilômetros rodados, as ovelhas que cruzamos e que só faltaram falar – tamanha a alegria de estar vendo alma viva pelas redondezas –, agora me vem esse troglodita desgovernado que só faltou me arrancar a vida ao passar com essa bicicleta.
- Mas, Pitu! Notou que ele usava black-tie? Que faz um ciclista de smoking?
- E lá tive tempo de notar o que vestia ou não vestia esse animal? É isso que ele é, um animal!
Agora era Pitu quem estava inconsolável. Cristina, por outro lado, começava a gostar mais da viagem, queria que Dubiroudo estivesse por perto pra presenciar, certeza que ele gostaria de invadir o campo de trigo tal qual o ciclista fez com a bike.
Deram toda a volta. Hospedaram-se. Os colchões eram a maravilha toda que disseram. “As acomodações são dignas de primeiro mundo” - Pitu estava em polvorosa. “Agora sim começamos a viagem, aqui sim – em meio ao luxo, ao conforto – tenho eu a certeza que idiota nenhum vai tentar me assassinar sobre duas rodas. Decerto eles proíbem a entrada de ciclistas em tamanho desbunde, é ou não é, Cris? Venha, dê cá uma olhada nessa vista (Pitu estava debruçada na janela que, aberta, deixava ver a paisagem por detrás dos trigais). Que maravilha, que ares, que primores. Olha aqui, Cris, larga essa mala!
- MAS EU SÓ TO VENDO PATO E PEDRA!!! Melhor fechar essa janela, eu não to vendo maravilha nenhuma, e vai que a bicicleta daquele ciclista era aquela que o Spielberg usou nas filmagens de ET, sabe? A bike voa, menina, você tá frita! – brincou a Cris.
Bateram na porta do quarto, devia ser o Concierge avisando que o jantar estava posto. Pitu atendeu a porta. Caiu desmaiada no chão. E a Cris teve um ataque de riso ao perceber que do outro lado da porta quem batia era o tal do ciclista de back-tie, funcionário do Castelo.
Tava justificado o Smoking.
Tácio.Oliveira - O.Mentiroso